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Meu DVD de mensagem!

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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Luz, câmera, pregação!




Por Luiz Carlos Ramos

A prática homilética contemporânea é moldada pela sociedade do espetáculo. A base principal dessa sociedade espetacular é a economia de mercado globalizada, aliada aos meios eletrônicos de comunicação de massa e à tecnologia da informação, de onde surge o seu principal produto: a indústria do entretenimento. Nessa sociedade, dá-se, sistematicamente, o processo de degradação do ser para o ter e do ter para o parecer.

Os meios eletrônicos, tais como o rádio, a TV e a Internet são, basicamente, instâncias recreativas, instrumentos de diversão, parques de entretenimento. Como meios espetaculares, representam (encenam) a realidade. Não são a realidade, mas refletem imagens do real, como espelhos (specculum). A fruição dessa não-realidade implica na alienação da vida, ainda que por alguns instantes, pela contemplação da representação do real que se vê nas telas e monitores, ou que se ouve nos receptores de rádio. Essa suspensão da existência é precisamente o sentido da palavra entretenimento: ter+entre. Abre-se um parêntese na vida real, para que se possa assistir à vida representada. Por que isso acontece, isto é, por que as pessoas abrem esses parênteses em suas vidas com freqüência cada vez maior, não cabe aqui discutir. O fato é que assim é.

Princípios homiléticos espetaculares

Os princípios espetaculares regem a homilética espetacular. Enquanto na homilética convencional as bases da prédica são as teologias bíblica, sistemática e pastoral, por meio dos processos exegéticos, hermenêuticos e retóricos, na homilética espetacular essas bases são outras.

Primeiramente, em lugar da exegese, que seria o processo pelo qual o intérprete visita o texto bíblico em busca de sua história e do seu sentido primeiro, a homilética espetacular prefere a eisegese, que é o processo pelo qual o intérprete projeta sobre o texto as suas próprias idéias. Isso porque a história como memória significativa de um povo não interessa para o mundo do espetáculo. Este, ao contrário, se alimenta do novidoso. A história só interessa enquanto servir para os propósitos da indústria do entretenimento. Por exemplo: a história do Dia Internacional da Mulher não interessa à mídia como história da conscientização de pessoas a partir de uma tragédia que vitimou 129 mulheres operárias, na cidade de Nova Iorque, no dia 8 de março de 1857. Por isso, sem pudor, a publicidade aproveita a ocasião para vender lingerie, cosméticos e outros artigos de moda. O espetáculo refaz a história segundo os seus próprios interesses, num procedimento eisegético sistemático.

Em segundo lugar, enquanto a homilética convencional mediante o procedimento hermenêutico procura atualizar a mensagem do texto bíblico à luz da tradição e do testemunho acumulado historicamente pela Igreja, a homilética espetacular opta pela “pesquisa de opinião”. A homilética, para subsistir no mundo do espetáculo, precisa agradar às massas. Deve, portanto, oferecer não o que a massa precisa, mas o que ela quer. Se em outros tempos havia um compromisso de coerência com o que os pregadores supunham ser a verdade, no mundo da mídia a verdade é a opinião pública, o Ibope. Como se trata de um empreendimento demasiadamente oneroso, a homilética da mídia não pode se dar ao luxo de dispensar audiência. Para tanto, procede à constante monitoração desta, e reformula sua proposta de acordo com a adesão conquistada. Em uma palavra, a hermenêutica da mídia é o Ibope. Daí a necessidade dessa homilética de trabalhar com os mesmos mecanismos de sedução da mídia: o apelo ao narcisismo, os estereótipos, o mecanismo de transferência de valores e o fascínio das estrelas, para mencionarmos apenas alguns.

Finalmente, em lugar da retórica sagrada, que se encarrega de traduzir em acontecimento a intenção do pregador ou pregadora — na forma de desafios concretos para a transformação ou confirmação de valores com vistas a um futuro melhor, na homilética espetacular essa escatologia é substituída pela ansiedade imediatista do aqui e agora. Assim como não interessa ao espetáculo o passado, tampouco interessa o futuro. Para a sociedade do espetáculo, tudo é um eterno presente [grifo do editor]. Assim, alimenta-se de uma vertiginosa enxurrada de eventos (por exemplo: as Olimpíadas devem dar lugar à Copa do Mundo, que deve dar lugar às eleições presidenciais, que devem dar lugar às comemorações natalinas, etc., etc.). Não se deve esperar para consumir amanhã o que se pode consumir hoje. A expectativa do celeste porvir, das antigas tradições cristãs, dá lugar ao imediato labor pela satisfação iminente das aspirações de prosperidade e sucesso.

Meios homiléticos espetaculares

Além dos princípios, deve-se pensar a respeito dos meios homiléticos espetaculares. Ora, o meio privilegiado pela homilética convencional é o da alocução, isto é, o processo oral-verbal pelo qual a palavra se torna acontecimento. No caso da homilética espetacular, a palavra deve dar lugar à imagem, e o processo oral-verbal, ao imagético-visual. No primeiro caso, a principal ferramenta persuasiva é a recorrência à metáfora, que, dentre as figuras de linguagem, é a que mais tem a capacidade de sensibilizar o corpo, mas sempre a partir de um disparo intelectual, de um estímulo racional. No caso do espetáculo, o principal elemento de sedução é a metonímia, processo pelo qual se pode tomar a parte pelo todo. Assim se dá o processo de enquadramento das câmeras (de TV, de cinema, da Web...): elas selecionam o assunto, deixando propositalmente de fora o que não interessa. Esse processo gestáltico de seleção (e, por consegüinte, de exclusão) não está imune às ideologias, antes se prestam muito a servi-la. A imagem metonímica, ao contrário da metáfora, faz o caminho do coração para o cérebro, isto é, primeiramente se “sente” uma imagem, depois (às vezes muito depois) se pensa sobre ela.
Como o papel da mídia numa sociedade espetacular comandada pelo mercado é vender produtos, a metonímia imagética torna-se muito útil, pois uma pessoa é convertida em consumidor não pela razão, mas pela emoção. Se o indivíduo pensar muito ele não compra, principalmente os produtos supérfluos. Mas, como já foi dito alhures: a propaganda é a arte de fazer o cliente comprar o que não precisa, com o dinheiro que ele não tem. E isso só acontece por impulso. Depois da compra é que o consumidor parará para pensar (e amargar) a sua impulsividade.

Dessa forma, enquanto a homilética convencional se ocupa principalmente do significado (conteúdo), a homilética espetacular se concentra no significante (forma). O conteúdo espetacular se constitui de mera desculpa para a elaboração de um invólucro atrativo, sedutor, irresistível, capaz de valorizar (atribuir valor) e precificar o seu produto.

Fins homiléticos espetaculares

Também é preciso que se analisem os fins da homilética espetacular. Segundo Gui Debord, o fim do espetáculo é o próprio espetáculo [grifo do editor]. Ele deve constantemente se retroalimentar, pois ele se consome a si mesmo. O espetáculo vive de si mesmo. Note-se a freqüência com que programas da mídia são montados em cima de suas próprias personagens (estrelas). A mídia, constantemente noticia a própria mídia, entrevista a própria mídia, elabora documentários sobre a própria mídia, num verdadeiro círculo vicioso de auto-promoção. Daí a freqüência dos apelos dos telepregadores para que seus telespectadores contribuam para a manutenção do programa. O objetivo é manter o programa no ar, e é por isso que ele vai ao ar: para ficar no ar.

Ora, a homilética convencional enquadrava suas prédicas nas categorias discursivas aristotélicas, a saber: o discurso judiciário, pelo qual interpreta-se e julga-se sobre o passado (procedimento exegético); o discurso demonstrativo, pelo qual se expõe sobre a relevância ou não de certa questão (procedimento hermenêutico), pelo qual algo deve ser louvado ou criticado no presente; e, finalmente, o discurso deliberativo, pelo qual se decide a respeito do futuro (processo retórico), se algo deve ou não ser implementado, deve ou não ser realizado, e de como isso se dará.

Por sua vez, para alcançar seus fins, a homilética espetacular adota outras categorias, oriundas do teatro: a comédia e a tragédia (e suas derivações). Nesses gêneros teatrais, as emoções são preponderantes. O riso e o choro purgam o indivíduo de suas próprias misérias. Pelo riso, o desgraçado alivia suas penas, e pelo choro o abastado se penitencia de suas injustiças.

Da combinação da tragédia e da comédia nasceu o drama. Nessas categorias, joga um papel particularmente importante a música. Não somente como prelúdio e poslúdio, mas como trilha sonora e parte integrante da cena. Portanto, a homilética que melhor se adequa aos meios eletrônicos de massa é aquela carregada de forte teor emocional, que tem a capacidade de provocar na sua audiência, alternadamente, o riso e, principalmente com o curso da música, produzir o choro. Há uma dependência crescente da música, no processo discursivo, particularmente o religioso, contemporâneo [grifo do editor].

Concluindo, a prédica espetacular desafia a homilética convencional, na medida em que se apresenta como fenômeno aliado à ideologia hegemônica do espetáculo-mercado. É a pregação da massificação e do lucro sobrepujando a prédica da resistência e da graça. Os protestantes vivem hoje o que a Igreja cristã experimentou no século IV, sob Constantino: uma religião outrora minoritária e de proscritos, de repente se torna religião oficial e hegemônica.

Em lugar de perseguição, passou a ser vantajoso ser cristão. Assim também os evangélicos brasileiros vivem um processo de constantinização espetacular: outrora proscritos e minoritários, começam a experimentar a notoriedade e a celebridade.

Nem a homilética da idade mídia, nem a da Idade Média tem como foco principal os intersujeitos comunicantes. A primeira se ocupa do significante (da forma) enquanto a segunda, do significado (conteúdo). Ainda é preciso desenvolver uma homilética da Idade Humana, e que, por isso mesmo, seja humanizada e humanizante, menos preocupada com os meios e as técnicas e mais voltada para a experiência relacional e vital entre as pessoas em diálogo, cujas palavras sejam inspiradas pela Palavra de Deus.

Aonde isso nos levará são cenas dos próximos capítulos...

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Luiz Carlos Ramos é doutor em Ciências da Religião
pela Universidade Metodista de São Paulo
e professor de Teologia na mesma instituição.

Fonte: http://www.cristianismocriativo.com.br/

Um comentário:

Claudio Cezar Henriques disse...

Olá, parceiro. Retribuindo sua visita, elogio o blogue e aprecio o interessante estilo escolhido para as manchetes. Amplexos.

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